Nos últimos tempos, o acesso à habitação tornou-se uma das maiores preocupações em Portugal, especialmente para os jovens. Como resposta, o Governo introduziu uma medida que promete facilitar este caminho: o financiamento a 100% para jovens até aos 35 anos. Esta medida está prevista na Lei n.º 44/2024, de 10 de julho, e é regulada pela Portaria n.º 236-A/2024/1, de 27 de setembro, que juntas definem as condições para que o Estado ajude os jovens a comprar a sua primeira casa. Vamos explorar o que isto significa e como podes beneficiar desta iniciativa.
A Lei n.º 44/2024, de 10 de julho: O que Diz?
A Lei n.º 44/2024, de 10 de julho, estabelece o regime de garantia pública para a aquisição de primeira habitação própria permanente por jovens entre os 18 e 35 anos. Este regime permite que o Estado preste uma garantia de até 15% do valor de transação do imóvel, facilitando assim o acesso ao crédito habitacional e permitindo que os bancos financiem até 100% do valor da casa.
Para te qualificares, precisas de cumprir os seguintes requisitos:
- Idade: Tens de ter entre 18 e 35 anos.
- Rendimento: Apenas jovens com rendimentos até ao 8.º escalão de IRS (até 80.000 euros anuais) podem beneficiar da medida.
- Primeira Habitação: A casa deve ser a tua primeira habitação própria e permanente, e o valor do imóvel da transação do imóvel não pode exceder os 450.000€.
O Papel da Portaria n.º 236-A/2024/1, de 27 de setembro
A Portaria n.º 236-A/2024/1, de 27 de setembro, veio regulamentar os aspetos práticos desta medida. Entre os principais pontos, a portaria define:
- Adesão dos Bancos: As instituições financeiras têm 30 dias para aderirem ao programa e mais 60 dias para implementarem as medidas necessárias, ou seja, até ao final do ano não estará efetivamente em prática.
- Validade da Garantia: A garantia pública tem uma duração máxima de 10 anos a partir da assinatura do contrato de crédito. No entanto, a medida só estará em vigor até ao final de 2026 (sendo posteriormente reavaliada a sua continuidade)
- Definição do conceito de “valor de transação”: Considera-se “Valor de Transação” o menor dos seguintes: o valor que consta da escritura/DPA; ou o valor de avaliação bancária.
- Regras de Aplicação: A medida não abrange créditos para construção ou renovação de imóveis. Também não podes ser proprietário de outra casa à data do financiamento.
- Taxa de esforço: A Portaria salvaguarda as políticas que os bancos já praticam, seguindo as indicações macro prudenciais do Banco de Portugal, no que respeita à avaliação da capacidade de endividamento de cada cliente. Assim, não estando reunidas condições, nomeadamente de taxa de esforço, o financiamento não prossegue.
- Garantia pode ser inferior a 15% ?: Sim! Caso o empréstimo do banco seja inferior a 100% valor de transação (recorde-se, valor da escritura ou valor de avaliação), a garantia do Estado é ajustada proporcionalmente. Exemplo:
- Se para 190.000€ de valor de transação (100% financiados pelo banco) o Estado garante 15%, então garante a diferença entre os 190.000€ até aos 161.500€ (28.500€)
- Logo, para financiamento de apenas 185.000€, apesar de o valor de transação de 190.000€, o Estado continua a garantir apenas a diferença até aos 161.500€ (185.000€ – 161.500€ = 23.500€). Aqui 23.500€ são apenas 12,70% de 185.000€
Atenção: O Financiamento a 100% Não Resolve Tudo
Apesar da promessa de financiamento a 100%, é importante ter em mente que este apoio apenas se materializa no dia da escritura ou do DPA (Documento Particular Autenticado). Antes disso, durante o processo de negociação com o vendedor, é comum que seja exigido o pagamento de um sinal, que geralmente ronda os 10% do valor do imóvel. Isto significa que, na prática, os compradores continuam a ter de desembolsar uma quantia significativa no início do processo negocial.
Por exemplo, num imóvel de 250.000€, seria normal que o vendedor exigisse um sinal de cerca de 25.000€ no momento da assinatura do contrato de promessa de compra e venda (CPCV). Este valor não está coberto pelo financiamento a 100%, que só opera no momento da escritura. Assim, quem não tiver liquidez suficiente para cobrir este sinal poderá encontrar sérios obstáculos na negociação, mesmo que seja elegível para a medida.
Este é um ponto que pode dificultar o acesso à medida para muitos jovens que, apesar de poderem obter o financiamento total através do banco, continuam a enfrentar dificuldades para assegurar o valor inicial necessário para avançar com a compra do imóvel. Ou seja, a falta de poupanças suficientes continua a ser uma barreira para muitos.
Como Funciona na Prática?
Basicamente, o Estado entra como “fiador” do empréstimo até 15% do valor do imóvel, o que significa que, se comprares uma casa por 300.000 euros, o Estado garante até 45.000 euros. Isto permite que o banco te empreste o valor total da casa, algo que anteriormente não era possível para a maioria dos jovens, pois o financiamento máximo geralmente ficava entre 80% e 90% do valor do imóvel.
O Que Acontece se Incumprires?
Se, por algum motivo, entrares em incumprimento com o crédito, o banco pode acionar a garantia do Estado. Neste caso, o Estado cobre até 15% do valor, mas tu continuas responsável pela totalidade da dívida. Além disso, a garantia extingue-se se a dívida for previamente liquidada na totalidade e é ainda possível a transferência do financiamento para outro banco, mantendo a garantia Estatal, desde que o banco para o qual transferes o financiamento seja também aderente ao protocolo.
Vantagens e Desvantagens
Vantagens:
- Financiamento Total: Com a garantia do Estado, podes conseguir financiamento a 100%, eliminando a necessidade de um elevado pagamento inicial.
- Flexibilidade para Renegociar: Podes renegociar as condições do crédito sem perder a garantia (desde que ambos bancos façam parte do protocolo)
- Compatibilidade com outras medidas de apoio para jovens: Isenção de IMT e IS; Isenção de emolumentos de registo.
Desvantagens:
- Limite do Valor do Imóvel: O limite de 450.000€ pode ser uma barreira em certas zonas do país.
- Necessidade de Sinal: O vendedor pode continuar a exigir um sinal (geralmente 10%), o que pode ser difícil de suportar para quem não tem poupanças.
- Riscos de Incumprimento: Apesar da garantia, continua a ser tua responsabilidade pagar a totalidade do empréstimo.
Conclusão
A Lei n.º 44/2024, de 10 de julho e a Portaria n.º 236-A/2024/1, de 27 de setembro, representam uma oportunidade única para os jovens que procuram adquirir a sua primeira casa. No entanto, é essencial avaliar cuidadosamente a tua capacidade financeira antes de dar este passo. A garantia do Estado facilita o acesso ao crédito, mas não elimina os riscos de um compromisso financeiro de longo prazo, nem a necessidade de uma quantia inicial para o sinal.
Portanto, se estiveres a pensar em aproveitar esta medida, faz as tuas contas e, claro, não hesites em procurar aconselhamento especializado – e não apenas de um amigo que diz que sabe muito de bancos!